22/11/2011

O borracheiro dos livros


por Galeno Amorim - 21/09/2011

Onde já se viu misturar livros com pneus?! E com graxa, ainda por cima?!? Isso vai dar certo não... Escolado na vida, Seu Joaquim, do alto dos seus 40 anos na profissão, deu o veredicto: não havia a menor chance de aquilo dar certo. 

Era como água e vinho... Seu Joaquim borracheiro só não contava com a teimosia do filho, cabeça dura como o pai. Coração mole como é, acabou fazendo vistas grossas. Quando viu, lá estava ela: era uma estante modesta, com seus setenta e pouco exemplares hermeticamente enfileirados (até parecia que o menino levava mais jeito para trabalhar em biblioteca, não na borracharia, ele pensou).

Mas daí a pouco já eram 600 livros. Com o tempo, chegaram a 3 mil. Hoje em dia, passam, seguramente, de 10 mil obras, dos mais variados gêneros.

A Borrachalioteca de Sabará, uma inusitada experiência na cidade histórica no entorno de Belo Horizonte, começou assim. Tudo muito simples. De forma bem natural. Tal qual, afinal, seu criador, Marcos Túlio, o filho turrão do seu Joaquim Damascena.

Quando tomou a decisão de dar uma mão para o velho pai no pequeno negócio da família, montado num pequeno salão alugado na periferia de Sabará, Marcos só não abriu mão de levar junto seus livros. Nas horas de folga, ele aproveitava para ler. Lia de tudo. E achou que devia compartilhar aquela experiência que tão bem fazia a ele com a vizinhança.

Quem primeiro aderiu foi a meninada da redondeza, mais interessada na sua coleção de gibis. Em seguida, apareceram uns marmanjos. Logo aquela invencionice já era sucesso de público e crítica. A freguesia, a princípio, se espantou. Como assim?! Livros em plena oficina, rodeados por pneus, borrachas e ferramentas?!?

Mas a clientela logo se acostumou. E aprovou! Tanto que muitos acabam aproveitando o tempo de espera, enquanto aguardam que o pneu furado seja devidamente remendado, para... ler um pouco. Isso! Para muitos daqueles clientes apressados e estressados, essa é uma das raras vezes que fazem isso no seu dia a dia: ler um livro!

Mas a maluquice do Marcos também começou a modificar a vida do lugar. A vizinhança da Praça Paula de Souza Lima, em Caieira, bairro que beira o Rio das Velhas, ficou mais sabida. A meninada anda falando com indisfarçável intimidade sobre Thiago de Mello, Drummond e outras figuras ilustres que, até então, não passavam de simples desconhecidos por aquelas paragens.

E vida por ali vai, aos poucos, tomando outros rumos. Foi assim com o próprio Marcos, que ganhou uma bolsa de estudo e foi fazer faculdade. De Letras, é claro: embora não pense em deixar a borracharia do pai, agora quer dar aulas e espalhar por aí, para pessoas que, como ele, vivem nas periferias das cidades brasileiras, essas coisas dos livros, seus autores e suas histórias.

A coisa vem dando tão certo que Marcos Túlio Damascena resolveu abrir ali o Instituto Cultural Aníbal Machado, uma ONG da leitura que já abriu sucursais em outros pontos da vida e no presídio local.

Por que ele faz isso?!

O borracheiro dos livros tem a resposta na ponta da língua:
- Além de dar prazer, a leitura ainda por cima instrui as pessoas... Todo mundo tem que ler!


07/11/2011

Exposição na Biblioteca Pública do ES apresenta coleções dos anos 30


Público terá acesso a coleções literárias dos anos 1930 a 1960.
Mostra tem curadoria do escritor Reinaldo Santos Neves, entrada gratuita.


Entre as coleções, destacam-se a 'Coleção Nobel',
da Editora Globo (Foto: Divulgação/ASSCOM Secult)


Durante o mês de novembro, estará em cartaz na Biblioteca Pública do Espírito Santo Levy Cúrcio da Rocha (BPES) a exposição “Uma página da história da leitura do Brasil: grandes coleções dos anos 1930-1960”. A mostra tem curadoria do escritor Reinaldo Santos Neves e estará aberta ao público até 30 de novembro. A entrada é gratuita.

A mostra propicia uma viagem nostálgica ao universo das grandes coleções literárias dos anos 1930-1960 no Brasil, e focaliza algumas coleções que se tornaram célebres por trazer aos leitores brasileiros uma literatura dita de escapismo, composta por romances policiais e de aventura; e uma literatura dita “séria”, composta por grandes títulos da literatura brasileira e estrangeira.

A “Coleção Amarela”, da Editora Globo de Porto Alegre, e a “Coleção Paratodos”, da Companhia Editora Nacional de São Paulo, foram pioneiras na publicação no Brasil de romances policiais de grandes autores do gênero. Enquanto isso, a “Coleção Terramarear”, da mesma Companhia Editora Nacional, e a “Coleção Os Audazes”, da Editora Vecchi do Rio, se concentravam em romances clássicos de aventura para jovens. 

Essas edições foram leitura obrigatória de várias gerações até os anos 1950, desaparecendo com o advento da televisão e a mudança dos costumes.

Entre as coleções de literatura “séria”, destacam-se a “Coleção Nobel”, da Editora Globo, iniciada na década de 1940, que durante cerca de 20 anos apresentou aos leitores brasileiros o melhor da literatura estrangeira clássica e moderna, inclusive uma primeira tradução completa de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust; e a “Coleção Vera Cruz”, responsável pelo lançamento de mais de 100 títulos de autores brasileiros de ficção atuando ou estreando nos anos 1960.

Além disso, a exposição traz de volta todo o visual gráfico inerente às edições do período, que atraíam os leitores ou por meio de capas berrantes, no caso dos romances policiais e de aventuras; ou artísticas, no caso dos romances literários que integravam as "Coleções Nobel" e "Vera Cruz".

Programação cultural
 
Agregados à exposição, acontecem ainda diversos eventos culturais na BPES durante o mês. No dia 09 de novembro, às 19 horas, o escritor e professor João Baptista Herkenhoff realizará um debate-papo com o tema “um dedo de prosa entre o escritor, o crítico literário e o público leitor”. Já no dia 10, às 18 horas, será lançado o livro “Indústria: a modernização do Espírito Santo”, de Gabriel Bittencourt e da Revista AEL, número especial dos 90 anos.

Dando continuidade às atividades, entre 21 e 25 de novembro, será realizado o seminário “Espírito Santo um painel da nossa história – II”, onde diferentes temas serão discutidos por meio de inúmeras palestras. Vitor Buaiz, Fernando Pignaton, José Eugênio Vieira, Francisco Aurélio Ribeiro, Regina Hees, Namy Chequer, Sebastião Ribeiro Filho, Roberto Garcia Simões, são alguns dos palestrantes confirmados.

No dia 29 de novembro, às 17 horas, a Biblioteca recebe a escritora Maria do Carmo Schneider, como mediadora na roda de leitura do seu próprio livro “Victor Hugo, o paladino dos direitos fundamentais”. Para encerrar a programação do mês, no dia 30, às 19 horas, acontece o lançamento oficial do site “Estação Capixaba”, com apresentação e participação de convidados.


Serviço
Exposição “Uma página da história da leitura do Brasil: grandes coleções dos anos 1930-1960”
Local: Biblioteca Pública do Espírito Santo
Endereço: Av. João Batista Parra, 165, Praia do Suá - Vitória
Período de exposição: até o dia 30 de novembro
Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8 às 19 horas

Informações:             
(27) 3137 9349
sebp@secult.es.gov.br

04/11/2011

Copistas: heróis silenciosos da história dos livros


Por Alejandro Rubio

Meu interesse juvenil, pela historia e a literatura antiga, trouxe uma pergunta marcante: “Como toda esta informação chegou até nós, se Gutenberg inventou a imprensa em 1439?”

Milhares de anos atrás, antes de o livro ter o formato que conhecemos hoje, ele era manuscrito. Era copiado manualmente nos mais diversos materiais: couro, pele, pergaminho, papiros até chegarmos ao papel. O copista era um encarregado que copiava o texto à mão nestas superfícies. Uma profissão muito digna e necessária em tempos em que não havia tecnologia.

Rolos

Tudo começou com a necessidade de registrar os atos, as memórias e a contabilidade dos reis, príncipes e senhores. Em formato de rolos, os manuscritos durante milênios mantiveram a memória cultural da humanidade; beberam em suas fontes os poucos ideólogos, filósofos, juristas, poetas, historiadores e profetas que a época permitia, pois a leitura era uma habilidade muito rara. Poucos sabiam ler, ou tinham oportunidade e condições de se dedicar a isso.

As bibliotecas não tinham o aspecto de hoje. Mais pareciam depósitos de papel, nos quais raramente alguém mexia. Eram locais restritos, já que naquela época já havia o conceito de preservar o patrimônio cultural e deixar testemunhos à posteridade. 

O alto custo do material tornava os manuscritos muito raros e exigia ambientes com temperaturas baixas e certa segurança. Muitas vezes eram guardados em cavernas frias, em ânforas que ajudavam na preservação. Reis, sábios e religiosos cuidaram com muito ciúme deste verdadeiro tesouro; algumas das poucas e maravilhosas obras que chegaram até nós existiam somente num único exemplar, o que gerava a cobiça dos poderosos ou a fúria dos saqueadores. 

Quem chegava se sentia no direito de destruir tudo para apagar rastros da civilização que antes ali existia.

Livros eram tesouros

Com o tempo, e num mundo submerso em guerras permanentes, os livros deviam ser armazenados em lugares vigiados, tais como palácios, quartéis, conventos e bibliotecas. 

A mais famosa foi a de Alexandria, que durante mais de 500 anos chegou a ter um acervo de quase um milhão de rolos de papiro, com as mais importantes obras sobre medicina, idiomas, literatura, matemática, física e astronomia; nela se reuniam os curiosos e sábios da época; em 391 d.C. foi destruída totalmente, e com ela sumiram obras das quais nunca mais tivemos conhecimento.

Eram nesses depósitos de papel, chamados bibliotecas, que se reuniam os sábios para discutir e aprender. Nesses encontros, eles estudavam todo o material reunido e faziam um apanhado geral da obra; um exemplo disso foi a famosa reunião de 72 sábios judeus que traduziram as sagradas escrituras judaicas para o grego, dando como resultado a “Septuaginta”.

Alguns particulares escreviam sua própria obra e a guardavam zelosamente; após sua morte a obra era encomendada a algum poderoso que a mantinha em ordem e a defendia de ataques; Aristóteles, por exemplo, teve seus escritos guardados por seus discípulos durante 200 anos, até que Sila, levou o pouco que sobrou para Roma, e mandou fazer cópias em 70 d.C. Se estima que graças a este ato, 10% da obra do filósofo chegou até nós.

O copista

Já era evidente que o conhecimento organizado gerava cultura e esta era necessária para o bem estar das pessoas e países. Como era muito difícil ter mais que uma cópia de uma obra, os poderosos pediam para viajantes que trouxessem obras novas para enriquecer seus acervos e tirar proveito dessa informação toda. Assim, nasceu a figura do copista, que a sombra de sábios, reis e conventuais, aprendeu a difícil arte da leitura, para depois conhecer as ainda mais difíceis técnicas da escrita. Muitos deles eram funcionários, escravos, frades, noviços, monges.

copista2 Copistas: heróis silenciosos da história dos livros bibliotecas
O copista trabalhando

Cassidoro (490-581 d.C.) criou um mosteiro na Calábria, instalou um “scriptoria” e decidiu nele copiar as grandes obras latinas. 

No livro “As instituições”, faz elogios aos copistas: “Ao reler as escrituras, eles enriquecem sua inteligência, multiplicam os preceitos do Senhor, por meio das suas transcrições. Feliz aplicação, estudo digno de louvor: pregar pelo trabalho das mãos, abrir e dar seus dedos às línguas, levar silenciosamente a vida eterna aos homens, combater as sugestões do diabo pela pena e pela tinta…” Ao morrer, seu acervo foi transferido para Latrão, sede do bispado de Roma, e daí muitos dos seus livros “copiados” se espalharam pela Europa.

Foi também no “scriptoria” que a escritura foi evoluindo, no século VII, Carlos Magno dá diretivas para padronizar a escrita em tamanho pequeno, bem legível e regular, o que deu origem ao nome da escrita “Carolina”, e que foi escolhida pelos primeiros impressores do século XV, e ainda a encontramos na escrita atual.

A cópia de obras literárias, religiosas ou profanas teve muita importância, já que os artistas – ou artífices – do mosteiro que exerciam a caligrafia podiam vender o fruto de seu trabalho, dando ao mosteiro recursos para o sustento dos irmãos e para a caridade com os pobres e os hóspedes. A transcrição dos manuscritos poderia também assumir um caráter de “penitência”, cumprindo um objetivo ascético, posto que impunha ao copista um verdadeiro “tormento”, como afirma um monge do século IX, Arduíno de Saint-Wandrille: “Quem desconhece a labor de escrever, nunca poderá conhecer o tormento do trabalho”.

As iluminuras

No intuito de aperfeiçoar e enriquecer as obras literárias surgiram as “iluminuras”, que são magníficas ilustrações feitas a mão. As primeiras obras do gênero são da Irlanda e datam do século VII. O artista pintava exagerando no capricho e nos detalhes, usando cores fortes e ornamentos em ouro e prata, e estas eram usadas para ilustrarem as capas, os capítulos e até os parágrafos. Maravilhosas obras de arte chegaram até nós através de livros que as continham. Esta é uma das primeiras formas de arte presente nos livros, visto que as gravuras eram usadas como obra de arte independente.

iluminuras Copistas: heróis silenciosos da história dos livros bibliotecasExemplo de iluminura


O genial invento de Gutemberg foi apagando as luzes destes extraordinários artistas, o que não tirou o hábito da escrita e da cópia; até metade do século XX, era muito difundida a ideia de que uma obra para ser compreendida deveria ser copiada a mão por inteiro. 

Devemos concordar que isto é uma absoluta verdade pedagógica, mas hoje com a necessidade de produção em massa, e a inclusão e mídia digital, perdeu a utilidade. Em 1973 visitei um sebo em Milão, onde era grande e maravilhosa a oferta de manuscritos, iluminuras e livros copiados, até hoje oferecidos a venda em diversos portais de sebos, a preços astronômicos.