27/09/2011

Nunca li um livro

Fonte: Livros Abertos • 22/09/2011
Por Camila Kehl no Livros Abertos

Tem muita gente que nunca leu um livro — e isso não é motivo de vergonha. É, e em especial no nosso país, uma situação comum. Faltou incentivo, vontade, oportunidade. Faltou leitura, ponto. O motivo, para este texto, não é importante. 

O importante é que alguém que nunca leu um livro pode ter clicado aqui; ou está lendo este post por recomendação. Isso atesta que existe interesse e existe também noção da importância da literatura. É esse o meu objetivo.

Você já entrou em uma livraria ou sebo? Já frequentou uma biblioteca? São universos simples e estão longe de carregar essa aura de hostilidade que você imagina. Em primeiro lugar, considerando a importância da cultura, o livro não é, em geral, um objeto caro. Existem edições ótimas a preços acessíveis: são os chamados livros de bolso. Eles costumam ser vendidos por uma média de preço de R$ 15,00. 

Se procurar bem e dependendo do exemplar, encontra até por menos. Já os sebos são lugares especializados em vender livr­­os usados por valores logicamente menores; as obras, nesse caso, também têm um custo muito baixo — podem chegar a R$ 1,00. Por último, as bibliotecas são ­­­opções gratuitas que estão ao alcance de um cadastro simples.
Por onde começar? Não exija demais de si mesmo nesse início. O ideal é buscar obras fáceis e descomplicadas.

À medida que avança na leitura, pesquisar palavras desconhecidas no dicionário é fundamental. Ler devagar também é essencial para absorver e assimilar a história no seu tempo. Não há pressa: tudo bem se você demorar meses para chegar à última página. 
A leitura, como muitas coisas, é um hábito; adquiri-lo exige perseverança — aí a importância de não desistir no meio do caminho.
A seguir, uma pequena lista de boas opções para aqueles que nunca leram um livro, ou que leram poucos durante a vida. Todos são best-sellers.


Sophie Kinsella
Já ouviu falar em Becky Bloom? É a personagem mais famosa e carismática criada por Sophie. As histórias que a incluem (é uma série de livros!) falam basicamente sobre consumismo, moda e relacionamentos — mas de um jeito açucarado e divertido. Ótimo começo para as românticas.


Sidney Sheldon
Mestre do suspense e best-seller mundial. Vai agradar em cheio aos apaixonados pelos enredos obscuros, misteriosos e eletrizantes. E aos curiosos. Um bom começo antes de mergulhar em Arthur Conan Doyle.


Helen Fielding
Autora dos livros que deram origem aos filmes de Bridget Jones. Semelhante a Sophie Kinsella, mas com uma dose extra de humor ácido. As aventuras da famosa personagem são contadas em forma de diário. Fácil e gostoso de ler. Bom antes de partir para Jane Austen.


Marian Keyes
Divertida, criativa, perspicaz. Marian Keyes é uma ótima escritora para os iniciantes. Sua escrita é fácil, ágil, empolgante. Há vários livros disponíveis. Escolha a sinopse que mais lhe agrada e boa leitura. Prepare-se para Sveva Casati Modignani.


Dan Brown
Com uma escrita envolvente, aborda temas históricos e tem o poder de deixar o leitor constantemente preso à leitura por um fio trançado com curiosidade e expectativa.


Martha Medeiros
Escritora gaúcha de destaque nacional. Seus livros são gostosos de ler e abordam temas diversos. A linguagem tende a fazer com que o leitor se sinta muito próximo da autora. Leia, depois, outra gaúcha: Lya Luft.



É importante dizer que o comodismo nunca é benéfico. Se você passou pelos primeiros livros tranquilamente (e gostou deles), parta para outros que representem um desafio um pouco maior. E sempre adiante.
Ressalva: sim, muitos são considerados literatura girly, ou mulherzinha. Como feminista, sinto certa dor ao recomendá-los — principalmente Sophie Kinsella, que aborda o consumismo desenfreado de forma muito pungente e nada crítica. Mas considero que o hábito da leitura se dê em constante crescimento, que, com o tempo, expande a visão do mundo e, consequentemente, das possibilidades da vida. São válidos, portanto, como um começo.

21/09/2011

O hábito de ler


Por Taís Luso de Carvalho publicado originalmente no Porto das Crônicas 


Lorenzo Mattotti
Sou de uma geração que curtiu muito os gibis; aprendemos a ler com os gibis, e era com ansiedade que íamos às bancas de revista comprar as novidades do mês. E a troca de gibis entre os amiguinhos era estimulante. Depois, se aprimorava o gosto com vários livros. Mas, estávamos criando o hábito da leitura. A criança precisa de ajuda e de estímulo para essa iniciação. E também na adolescência.
Lembro que na adolescência, tanto eu como minhas colegas de aula, perdemos um pouco desse hábito devido aos livros que a Escola oferecia como padrão: não queríamos os clássicos brasileiros; não queríamos ler por obrigação para fazermos uma resenha. Queríamos a liberdade de escolha, que nos foi negado. Acredito que isso desestimulou um pouco a nós todos. Há que se respeitar o gosto de cada um, e, à Escola, cabe analisar as preferências de seus alunos.

O mesmo livro para todos os alunos? Foi um desastre; uns perguntavam aos outros a história – e a resenha estava feita! Ninguém aceitava uma leitura imposta.
Lembro que muitas de nós queríamos ler algo mais moderno, coisas da nossa época, para nosso momento. Lembro que me revoltei com isso e levei pra aula (colégio de freiras)  O Muro, de Sartre. Levei o livro para o recreio e caminhava pra lá e pra cá, meio que provocando… Era uma atitude pra encher o saco das freiras. Mas, em pouco tempo fui parar na sala da Madre Superiora, e meus pais foram chamados à escola:
- Sua filha está muito rebelde, está dando mal exemplo aos colegas!

Foi nesta época que houve um desinteresse da parte de muitos alunos; não tínhamos opção, não tínhamos tempo de ler outras coisas, uma vez que a leitura dos clássicos brasileiros, obrigatórios, tinha prazo para a entrega do trabalho. Para tudo existe uma idade certa, era só ter esperado o amadurecimento dos alunos.
A escola é a mola mestra; é nela que depositamos esperanças e mudanças. E cabe aos pais ajudar a incutir o hábito nas cabecinhas em formação; manter o elo, dar continuidade, estimular. Não impor! 

Se ficarmos pensando que somos um país em desenvolvimento, que os livros são caros, que o analfabetismo é enorme, que as crianças não são estimuladas à leitura, que as famílias têm outras prioridades, bem… então nada mais a fazer. É deixar como está pra ver como é que fica. E vai piorar, uma vez que a educação é primordial para o desenvolvimento e a educação de um povo.

Quanto mais esclarecimentos,  mais qualificados seremos, mais oportunidades de trabalho, e consequentemente seremos mais felizes, aptos a cuidar mais de nossa saúde e de nossas famílias.

É lendo que se aprende, que se cresce, que se conquista; que saímos da ignorância para um mundo mais aberto e de mais qualidade. O povo, através de sua cultura, de sua história, de sua economia é que pode fazer uma nação forte.
Certa vez ganhei um bambolê… Meu pai não gostava daquele negócio e me propôs uma troca: ‘vamos numa livraria e você escolhe os livros que quiser, mas largue esta geringonça’.  E aceitei a proposta. Comprei vários livros.

Apesar das leituras na Escola não terem sido do meu gosto,  retomei o hábito da leitura por várias circunstâncias: tive um ótimo exemplo em casa e uma biblioteca muito boa. A convivência com livros sempre foi muito próxima.

Sei que formar este hábito é difícil, ainda mais com a tecnologia de hoje, onde as redes sociais da Internet dominam muitas cabeças. Por outro lado,  vemos o trabalho de Órgãos do Governo e outros com apoio da iniciativa privada, incentivando as artes, literatura e literatura infantil.
Um país que incentiva a cultura, que cuida de suas crianças formará adultos mais capazes e mais felizes.

20/09/2011

Bicicloteca...


Imagem: Folha de SP

A  “Bicicloteca” é uma biblioteca itinerante, um movimento independente existente em diversas comunidades brasileiras e em outros países, geralmente para pessoas sem acesso a biblioteca ou comunidades distantes dos centros,  as  quais utilizam a bicicleta como veículo para o transporte de livros.  A Bicicloteca do  Instituto Mobilidade Verde foi desenvolvida para atender moradores de rua através do Movimento Estadual da População em Situação de Rua. Trata-se de um triciclo com capacidade para 150 kg de livros  que facilita o trânsito na cidade e o acesso de pessoas a cultura , o objetivo é facilitar o trabalho das comunidades que já atuam com cultura e inclusão social através da leitura.

O conceito de biblioteca itinerante nasceu da necessidade de levar cultura para as pessoas que por diversos motivos não tem acesso a biblioteca.  Qualquer ONG que trabalha com população carente, poderá requerer uma Bicicloteca do IMV,  bastando para isso o envio de uma solicitação  formal ao Instituto Mobilidade Verde.  O IMV vai priorizar aquelas que já trabalham com comunidades sem acesso a biblioteca, ou com  população em situação de risco e  que reúnam  condições  mínimas  para conduzirem  o veículo ( que não necessita de habilitação especial) , realizar a manutenção  mensal e terem local para guardar a Bicicloteca com segurança. 

O Instituto realiza um treinamento sobre como abordar as pessoas  e formas menos burocráticas para a doação de livros,  a Bicicloteca do Instituto Mobilidade Verde tem um padrão diferente  das Bibliotecas itinerantes convencionais,  que  emprestam livros, a idéia não é apenas  emprestar livros,  mas doá-los para uma outra pessoa apos leitura. O objetivo é formar leitores e que estes novos leitores doem seus livros para outras pessoas. Os livros serão carimbados para “lembrar” ao leitor de doá-los novamente, criando assim um ciclo de leitura permanente.

O programa vai monitorar as doações e  realizar o cadastramento das pessoas, desta forma será Possível conhecer o paradeiro de pessoas que estão desaparecidas e abandonadas na cidade, respeitando o direito de cada indivíduo.

Quem quiser doar livros para a biblioteca itinerária  poderá deixá-los na Biblioteca Mário de Andrade até o dia 25 de julho.  Além do Movimento estadual da População em Situação de Rua, outras ONGs serão contempladas com o triciclo até o final deste ano.

O projeto Bicicloteca do Mobvimento Estadual da População em Situação de Rua visa recuperar moradores de rua através da inclusão social pela leitura e pelo trabalho de inserção e  assessoria jurídica e social que é parte do trabalho desenvolvido pelo Movimento criado por Robson Mendonça.

A idéia de criar uma Bicicloteca do IMV, nasceu da necessidade do Movimento Estadual de População em Situação de Rua em levar livros para os moradores de rua através de um veículo leve que poderia entrar em praças e locais de difícil acesso, que não necessitaria de um condutor com habilitação e  que não gerasse custos com combustíveis e tivesse capacidade para levar a maior quantidade de livros possível.

A  Secretaria do Verde e Meio Ambiente apóia  o projeto de forma Institucional e a Biblioteca Mário de Andrade apóia  através da cessão de espaço para a exposição da Bicicloteca   até o evento de lançamento e com a doação de livros.

Contato:

contato@bicicloteca.com.br
contato@mobilidadeverde.org

16/09/2011

Vivendo de livros e abraços...

 Fonte: Brasil que Lê 06/09/2011

Por João Augusto



















Há alguma coisa ali que eles compreendem muito bem: o livro está falando com os bebês. E como conversam os livros, especialmente com as crianças! 

É que os livros, assim como os pequenos, precisam de companhia, de amigos, de atenção. Sozinhos, não sabem direito pra que servem, para onde vão, com quem podem contar. A lição não é nova, mas vale a pena o refrão: livros desde a mais fresca infância são alimentos para toda a vida. 

Ajudam no desenvolvimento da linguagem, a explorar diferentes emoções e o mundo ao seu redor, a desenvolver a capacidade intelectual e, se os pais lerem para os filhos, melhor ainda! 

Aumenta o vínculo afetivo, ajuda-os a relaxar, a conhecer novos sons, novas palavras. E a leitura ainda dá uma força para o filhote dormir mais tranquilo, com sonhos que só o afeto e a literatura podem proporcionar. Ler para as crianças, enfim, é abraçar com palavras.

* João Augusto é escritor, poeta e editor da Revista Brasil Que Lê.

12/09/2011

Literatura vai de menos 1 a 40 graus

Fonte: O Estadão - Caderno Cultura - 09/09/2011
Por Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo

Bem interessante. Enquanto a Flip foi dominada pelo escritor português walter hugo mãe, conquistando homens e mulheres, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, que continua sendo o maior evento do Brasil e da América Latina, girou em torno do talento e do carisma de outro português, Gonçalo Tavares. Tranquilo, simples, ele foi "comendo" todo mundo pelas beiradas, como se diz por aqui.


Na mesa sobre identidade, literatura e cultura na globalização, foi o único a fazer um depoimento atual, consciente, lúcido, ao contrário do celebrado (e decepcionante) Luiz Costa Lima, que se julga em altíssima conta e desprezou a Jornada e os participantes dormindo no palco, diante de 6 mil pessoas, e dando um depoimento pífio. Ao acordar, atrapalhou-se com suas anotações, disse que as tinha esquecido no hotel. Não tinha nada a dizer. Ensaísta à antiga que fala em linguagem hermética, vazia. Plateia monumental, professoras e estudantes, 18 mil crianças na Jornadinha, ouvindo e conversando com autores infantis. Ninguém bate Passo Fundo. Mauricio de Sousa dominou a cena, crianças de todo o Brasil o conhecem, adoram.


Neste momento há pelo Brasil dezenas de feiras (acaba uma, começa outra) e bienais e encontros. Saí de São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, onde a prefeita Maria Helena Borges Vannuchi, obstinada e interessada em cultura, insiste em manter uma feira de livros com gente de primeira linha, e parti para Passo Fundo (-1°C na abertura da festa e vento minuano varrendo), norte do Rio Grande do Sul. Segui para o Piauí, para o terceiro Salipa, Salão Literário de Parnaíba (40°C à sombra), na boca do maravilhoso delta que separa aquele Estado do Maranhão. Hoje estou na 2.ª Filmar, Feira Literária de Marechal Deodoro, ao lado de Maceió. O sol come. Livros e literatura por toda a parte. Segunda-feira desço ao interior do Paraná para falar nos Sescs de Cascavel, Pato Branco, Fernando Beltrão e Foz do Iguaçu.


Em São Joaquim da Barra, a pamonha deliciosa e delicada, vendida num duas portas em frente da Feira, me provoca água na boca. Duas equivalem a um jantar. No Piauí, doce Estado, há o arroz Maria Isabel, o Capote, o queijo de coalho, a caranguejada. Em Passo Fundo, há a gastronomia dos Biazis, Alcir e Lisete, secundados pelo Serafim Lutz, com saladas inventivas, pernis, massas, filés e picanhas, costelas, matambres, num estilo sulino afetuoso. Alimentar com qualidade mil pessoas é tarefa de competentes. Sentar-se à mesa servida pelo garçom Otavio é privilégio. Com seus cabelos brancos e sabendo tudo, faz você parecer o mais VIP dos clientes, seja VIP ou não. E o que é VIP, afinal? As refeições no Clube Comercial eram no fim de noite, com conversas, papos cabeça, fofocas, informações, vinhos, todos juntos. 

Esse é o diferencial da Jornada, aglutina pessoas, momentos em que todos se juntam. Os irmãos Caruso, Chico e Paulo, cartunistas e músicos, estão na mesa com Gonçalo Tavares e Affonso Romano de Sant"Anna. Edney Silvestre, um dos mais procurados pelos leitores, juntava-se a Tatiana Salem Levy e à professora Maria Esther Maciel. Marcia Tiburi, filósofa, conversava com Peter Hunt, enquanto Eliane Brum juntava-se a Rinaldo Gama, que foi o único que se preparou convenientemente com uma bela fala para a mesa da comunicação do impresso ao digital. O comer é o momento em que todos se juntam, em lugar de se espalharem em busca de restaurantes espalhados pela noite afora.


A mesa final de Passo Fundo, formação do leitor contemporâneo, provocou incêndio. Alberto Manguel irritou-se com a inglesa Kate Wilson, amável mulher, que levou um projeto de livros em computador, em tablets, ainda em fase de implantação e discussão. Manguel se acha o dono da verdade do livro em forma de livro. Tablets, e-books, iPads são dignos da excomunhão. Arrogante, destratou aos gritos o americano Nick Montfort: "Não tenho e-mail, não uso computador". Para ele significam a deformação do leitor, não uma das formas para se conseguir sua formação. Crente de que é uma grande pessoa, guardião do livro em papel, Manguel partiu com patadas para cima da inglesa que, todavia, sabe espanhol, e respondeu à altura. Manguel, que vem escrevendo e reescrevendo os mesmos livros, tem de encontrar, urgentemente, as portas do século 21, desembarcar neste milênio, e ser mais gentil, admitir que a informática veio para ficar. Uma anedota circulou pela Jornada. Dizem que Manguel foi leitor de Borges. Ao fim de cada leitura, Borges acentuava: "Leu, pode ir embora, não me dê nenhuma opinião". Ao menos, a argentina Beatriz Sarlo, figura exponencial, estava na mesa, deu o tom de grandeza, ao lado de Affonso Romano.

O que importa é que literatura, misturada a música, informática e teatro, está sendo discutida em todo o País. Nunca, como hoje, houve tantas feiras e eventos em torno do livro, leitura, formação de leitores. Discussões, debates e buscas de caminhos. A Jornada de Passo Fundo chegou aos 30 anos, milhares de professores passaram por ela, milhares de crianças. A Jornada é a única que não se esgota assim que termina. Aí é que ela começa, com a multiplicação de ideias, conversas, aprendizados, vindos das oficinas, seminários, cursos, aulas paralelas, infinitas, atualizadoras. Recomeça quando acaba. Para culminar, premiou-se João Almino, grande autor com o seu Cidade Livre. O Bourbon Zaffari é o maior prêmio literário privado da América latina. Diplomata de carreira, autor por paixão, Almino levou um susto com o tamanho da Jornada e voltou à Espanha apaixonado.

08/09/2011

O sebo, a sala de leitura, a biblioteca. E seus acontecimentos leitores



Por Antonio Gil Neto
 
Uma atividade que acontece nos sebos em meio a labirintos de mesas, estantes e por vezes um véu de poeira é a garimpagem. Pelos misteriosos destinos dos sebos podemos encontrar em segundas ou indeterminadas mãos muita prosa de primeira. Numa garimpagem o visitante, leitor em potencial, é apanhado pelo inusitado e pela aventura de perseguir como um detetive sossegado uma prova prazerosa. De repente, num lote no canto do fundo um gibi fora do catálogo, uma preciosidade a preço de banana. Pode acontecer algo assim. O segredo é procurar bastante, garimpar pra valer!

Os livreiros têm comprovado que a estrutura de uma loja de livros seminovos e usados não exige sofisticação. Mas requer certa organização para que o cliente encontre algo que procure e ao mesmo tempo se deixe levar pelas peripécias dos livros. Manter o ambiente limpo é fundamental para torná-lo atraente, agradável e manter o leitor nesse habitat de palavras. 


No sebo, muito mais que limpeza rigorosa e ordem alfabética impecável, é preciso haver organização que conduza, oriente e, sobretudo convide ao manuseio das páginas, à livre apreciação e que muitas vezes é não gostar e pronto. Muito mais que o rigor, o que se precisa é uma ordem lúdica, quase labiríntica, que faça o leitor viajante se perder e se encontrar nesse lugar de descobertas. Pedagogicamente diria que se trata de uma organização para o encantamento. Como imagino ser toda sala de leitura com seus leitores. 

Dessas onde gatos sonolentos se dariam bem com os rumores das leituras. E por falar em gatos, andei pensando que o sebo não é como uma instituição de amparo a animais. Não é um lugar de livros abandonados, rejeitados e entregues à má sorte. Embora haja quem assim pense, o sebo é um lugar onde os livros quase têm vida própria, é um ponto de encontro de exploradores e paladinos. Um porto de passagens infindas, aguardando aventureiros. Nos sebos os livros são escolhidos, valorados e ficam em ponto de espera para coexistir com os outros lares leitores. O mesmo vale para as salas promotoras da leitura. 

O negócio é criar e manter em movimento a leitura potencializada pelos livros. Ou seja, é a excelência do atendimento que faz o sucesso, seja no empreendimento comercial ou no empreendimento pedagógico de cada dia, de cada atividade em prol da leitura.

Imagine o quanto é necessário para quem lida com livros ter conhecimento cada vez mais amplo sobre o mundo da leitura. Tanto livreiros como educadores precisam dessa imprescindível ferramenta. Assim, livreiro e mediador, no empreendimento leitor, procuram deixar o cliente à vontade, objetivam conversa agradável e geradora de novas conversas, além de deixá-lo disposto a fazer as perguntas que bem entender, folhear os livros, trocar primeiras impressões, coisas assim. Tudo para que se sinta verdadeiramente acolhido pela atmosfera da leitura. Não basta ter amor pelos livros. 


É preciso ter amor e atitude em favor da leitura. Que é o quesito básico do amor pelos livros de fato. Conheci alguns livreiros que não se acham grandes leitores, mas afirmam com todas as letras que amam os livros “pelo que eles podem oferecer às pessoas”. Dizem ser praticamente impossível ler todos os livros da loja, mas ser importante ler um ou outro livro e o maior número possível de contracapas, prefácios e juntar todas as informações capazes de auxiliar os mais variados clientes. O restante é consequência do tempo. Dá um bom paralelo estas profissões: livreiro e mediador de leitura, não é não?
 

Li na internet, gostei e passo para vocês uma declaração de uma livreira chamada Sílvia: “Gosto de novos autores. Geralmente, as pessoas tendem a procurar mais pelos escritores consagrados. Eu gosto de novidade. Por isso, leio autores israelenses, africanos e gosto das biografias e obras com fundo histórico, como a literatura de guerra. Os livros me ensinam o que o tempo não permite ”. Bonito é prático, não é?
 

Me atrevo ainda a dizer que uma simples visita a um sebo pode ser o início de uma sugestiva e peculiar aventura em nossos dias mais comuns. Tenho um amigo que adquiriu um romance que escondia um episódio de amor entre suas paredes de papel: por entre as páginas resgatou um conjunto de cartas trocadas entre personagens da vida real e que haviam vivido o início e o final de um amor proibido, povoado de medo e culpa. Além da história comprada teve de bônus uma trama para imaginar, recriar, guardar como relicário.
 

Fiquei imaginando que as cartas, fotos, poemas, flores secas e os manuscritos nas margens do livro premiado poderiam instigar e muito a minha curiosidade para inventar, como um bom feitiço. Quantos personagens involuntários se revelam na possibilidade de um novo enredo a se contar! Os livros no silêncio dos sebos ficam sempre entregues ao movimento do tempo e são tesouros de infindos acontecimentos. São objetos únicos. E os livreiros, seus guardiões. Como os orientadores de leitura ou os bibliotecários, não é não?
 

Que atire a primeira edição de uma obra literária quem nunca criou laço afetivo com um livro. Assim como alguns cheiros e sons, os livros também ficam na memória e contam nossa história. Há maior emoção que reencontrarmos obras que marcaram nossas vidas como leitores? Pois não existe melhor lugar para isso. Num sebo que se preze temos ao vivo e a cores o resgate de tesouros perdidos na nossa memória leitora. Também aqueles que lemos, marcaram passagens, adoramos e depois emprestamos e nunca mais tivemos a sua viagem de volta aos nossos olhos leitores. Podemos reencontrar nessa busca antigos amores em meio a tantas ofertas. E assim redescobrir alegrias. Haja coração
 

É claro que, numa vida de consumo como a atual, onde a idéia de sucesso está ligada ao poder aquisitivo da última novidade a idéia do livro velho soa como uma extravagância. E não precisa ser “rato de sebo”, aquele que vasculha as prateleiras com a volúpia de quem escava tesouros, para usufruir as benesses de um bom sebo. Pode ser simplesmente no manuseio do livro, no apreciar de sua arte gráfica ou no percorrer os olhos pelas ilustrações, como verdadeiro objeto de arte, de conhecimento e de paixão. Isso já vale. 

Mas nada é comparável à surpresa, à alegria de um “achado”: um volume que, certamente já passou pelas mãos de tantos, sem que lhe tivessem notado o valor, que pode ir desde o simples gosto pessoal por determinado assunto, uma peça da coleção que cada um estabelece para si, uma primeira edição de poucos e raros exemplares no mercado, uma encadernação artística, enfim, um exemplar que represente para o seu “descobridor” algo especial ou apenas necessário a um trabalho de pesquisa.

Pensando bem qualquer leitura não é leitura. Tem de estimular a imaginação e a reflexão. 


Nesse aspecto os sebos podem ajudar. Drummond diz numa crônica que o sebo é o verdadeiro templo da democracia literária. Diferente das livrarias convencionais virou reserva cultural. Nele, há os de agora, os de antes, os fora de catálogo. Estamos falando da história editorial do país, não só dos livros do momento.
 

Parece que a escola ainda não tem conseguido ensinar a se gostar de ler. Parece usar metodologias que têm efeito contrário. Numa base em que ler é obrigatório e a qualquer custo, biblioteca é vista como lugar de castigo ou coisa assim. Mal sabem que leitura é subjetividade plena, é ver o que agrada à sensibilidade e se ajusta à sua forma de ser, ao seu momento. Há os que driblam o jogo do mando escolar e na própria escola e mesmo fora dela aprendem a gostar de ler.

Mas o problema acaba sendo não só a Educação. Há um grau de precariedade da vida contemporânea, da mente ocupada o tempo inteiro, sem tantas zonas de pausa. Quando chegamos em casa, após o dia tomado, quase não temos energia para ler. Exercitar a imaginação dá um certo trabalho. O sistema de vida que levamos pode não facilitar. Aí precisamos mudar para construir o nosso projeto leitor. Como um jardim de palavras. Não será só a escola a ser obstáculo. 


Mas mudá-la é um bom começo.