13/06/2011

Livro de "um reais"

Fonte: Blog do Galeno

Por Galeno Amorim
Nunca soube o seu nome. E as chances de voltar a vê-la algum dia e descobrir algo que seja sobre ela são pra lá de remotas. De seu rosto, contudo, jamais me esqueceria. E, tampouco, de seus olhos que, mais do que pedir, imploravam. Mas não por ela. Era pelo filho pequeno, que ainda nem sabia ler e escrever.

Nos últimos anos, falei muitas vezes sobre ela. Fiz discursos e escrevi sobre aquela mulher desconhecida. Anônima para mim. Talvez até hoje invisível ao olhos de tantos, do Estado e da sociedade.

A verdade é que a cena que se deu naquela manhã friorenta de agosto desde então não saiu mais da minha cabeça. Por onde quer que vá, a sensação é a mesma. Parece que ela me persegue, como a querer dizer algo que eu, na minha nada santa indiferença, insisto em não compreender.

O caso é que a mulher esquálida e maltrapilha chegou e estacionou seu carrinho de mão no meio-fio da praça central. Não deu bola para os transeuntes e nem para homens de terno e gravata que falavam e gesticulavam com certo entusiasmo. Alguns tinham vindo de longe, da Capital. Era gente importante, que ali estava para abrir oficialmente aquela Feira Nacional de Livros.

Sem mais aquela, ela enfiou uma das mãos no lugar onde guardava o mísero dinheirinho ganho na véspera graças ao papelão farto recolhido das ruas do Centro. É certo que algo acontecera pois a coleta estava, de fato, rendendo uns bons trocados a mais. A mulher sem nome achou entre as moedas uma nota surrada de R$ 1,00.

Era praticamente tudo o que tinha. De posse da sua pequena fortuna - que daria muito bem para comprar um pão amanhecido e, inteirando, até levar um litro de leite C para casa - ela encaminhou na direção do pequeno grupo de editores e livreiros. Mas não dirigiu a palavra a qualquer um deles em especial.

De sopetão, ela tascou:

- Tem aí livro de um reais, moço?!

E, quase envergonhada, tratou de esclarecer:

- Não é pra mim... É pro meu filho. Ele tá na idade de ir pra escola e eu quero dar um livro pra ele. Pra que ele seja alguém na vida...

Aquela fala pungente calou fundo naqueles senhores do livro no Brasil. Por sua força, diz muito mais do que mil discursos sobre a função social dos livros na sociedade e sua importância transformadora para a gente mais simples do povo.

Mesmo que ainda seja difícil de perceber, há uma maior compreensão sobre o papel da leitura no que se chama de imaginário coletivo. Até especialistas e doutores muitas vezes têm dificuldades para enxergar isso.

Mas, distante das academias, essa percepção tem se manifestado, por toda parte, na fala simples e poderosa da mulher que cata papelão na rua. E no respeito sincero da gente simples com a mãe dessa história que, mesmo analfabeta, consegue intuir que está ali, no livro, não o objeto sagrado. Mas sim, para o filho, uma espécie de chave da porta do céu.

Que, para ela, talvez se apresente na forma de um mundo diferente do seu, que dá um duro danado todo santo dia em troca de muito pouco ou quase nada. E, principalmente, na forma de novas oportunidades. De ter uma vida com alguma dignidade, um emprego com carteira assinada e duas ou três refeições ao fim de mais um dia.

Para a maioria de nós, esse é, por ora, um sonho ainda distante. Mas que passa, necessariamente - e disso, felizmente, sabe-se cada vez mais! - pelos livros e pela leitura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário