23/02/2012

Como nasce um livro?

Fonte: Sapatinhos Vermelhos • por Nikelen Witter



Não foi exatamente como no título que a pergunta me chegou, porém, era mais ou menos isso que ela pretendia.  A questão nasceu junto com o anúncio para a família de que eu publicarei meu primeiro livro de ficção até o final do ano. O próprio acontecimento da pergunta já abre espaço para pensar outras coisas. É meu primeiro livro de ficção, mas não o primeiro livro, nem escrito nem publicado. Escrevi a dissertação e a tese. Apenas a primeira foi publicada, mas ambas são livros. Demandaram tempo, esforço, planejamento. No entanto, este é o ponto interessante, nenhuma delas parece contar da mesma forma que um livro que escrevi sem ter qualquer "obrigação" em escrever. Este sim. Este é de verdade. Ao menos, é como as reações dos outros me parece. Talvez, porque este seja o primeiro que qualquer um possa ler, caso tenha vontade. Os outro dois exigiriam vontade e também um pouco de paciência.

Não se trata de uma crítica à reação das pessoas. Pelo contrário, há um pouco de razão nisso. De fato, há muita diferença na escrita destes três livros. Diferenças de linguagem, de ritmo de texto, de tempo empregado e (por que não?) de prazer na tarefa, de liberdade, de criatividade. Este, que ganhará sua forma impressa até o final deste ano, é minha entrada em um mundo, um mundo que eu já anunciava há algum tempo que queria pertencer: o mundo dos escritores. 

Contudo, não sei se escrever um livro (ou até três) é suficiente para fazer de alguém um escritor. Nem, auto-intitular-se. Talvez, a chancela final venha de quem edita e de quem lê. Acho bom confiar nisso. Se alguém leu o que foi escrito até o final, mesmo que para criticá-lo ao terminar, se pode bater no peito e dizer: sou escritor. Se, porém, o autor espantou seus leitores antes do fim, ainda não é um escritor. 

Afora tudo isso, a explicação daquela primeira pergunta fez-me pensar na imagem que os escritores têm para os que não escrevem, mesmo sendo leitores. Há uma ideia de quase iluminação. E, provavelmente, é por isso que a escrita de um trabalho de pesquisa não ocupe um lugar análogo no imaginário geral. Afinal, um livro de ficção é uma história, então, basta contá-la. Basta tê-la na cabeça, sentar e escrevê-la, do primeiro ao último capítulo, certo? Mais pessoas têm esta ideia do que se possa imaginar. 

Quem assistiu ao filme A Fonte da Vida pode não ter notado, ou se surpreendido, mas imagino que muitos, como eu, perceberam que o caderno da escritora vivida por Rachel Weiz é feito de frases lisas, sem correções, sem riscos, sem rasuras. A não ser que a personagem fosse Mozart, um gênio de quem a música já brotava quase perfeita (ou perfeita), ela não escreveria assim. O caderno de um escritor não é belo, não tem letra desenhada, não é limpinho. Ele é cheio de garranchos escritos às pressas, ou no ônibus, ou enquanto outras pessoas falam, mas você precisa, imediatamente, anotar uma ideia antes que ela fuja para nunca mais. O caderno é amassado de andar nas bolsas, ou nas malas, ou nas mochilas. Sovado de ser relido e muito, mas muito mesmo, riscado. Por vezes, até páginas inteiras. Outras, é preciso tentar ater-se às únicas linhas que foram salvas da revisão num dia de mau humor. 

É claro, cada escritor tem sua receita, alguns, inclusive, seguem receitas (o que, por vezes, pode render bons livros). Há os que escrevem primeiro um capítulo chave da história. Outros escrevem, por primeiro, o último capítulo (mesmo que depois acabem por modificá-lo). Outros seguem a cronologia do primeiro ao último, mas isso não os livra de correções, revisões e apagamentos. Eu fui do primeiro ao último. Mas, não simplifique isso. Em 2008, escrevi 4 capítulos que foram apagados quase na íntegra. Em 2009, apaguei outros dois, quase inteiros. Em 2010 as coisas fluíram:  reescrevi quase tudo. Em 2011, cheguei a média de 1 capítulo por semana em minhas férias, mas fui lenta ao longo do ano. Era época do fim. Quando terminei, foi preciso um capítulo inteiro nascer onde antes não havia; e não sei quantas vezes trabalhei nas últimas páginas. Não houve riscos, pois o texto já estava na fase do computador, mas muitas marcas amarelas pareciam brotar nas passagens em que eu ou meu leitor crítico duvidávamos. Depois, o pente fino dos revisores e ainda virão mais. 

Não é à toa que muitos comparam a escrita de um livro a um parto (escritas de teses e dissertações também). Os motivos são claros. Dói. Dá trabalho. É difícil. Mas há muito orgulho no final. Contudo, é bom lembrar, apesar do parto e do nascimento, textos não são filhos. Haverá críticas e haverá os que não gostarão do que se escreveu. Sendo assim, é bom colocar o texto produzido, tanto quanto possível, num lugar diferente do amor filial. Isso pode salvar a vida e o ego de um escritor.

Quanto à mágica que um livro pode realizar... este é o sonho de todo o escritor ao fechar seu livro e a esperança de todo leitor ao abri-lo

Nenhum comentário:

Postar um comentário