Publicada em 18/05/2009
Elis MonteiroNativos digitais já estão dominando o mundo e transformando a forma como o ser humano se comunica
Eles são capazes de ver TV, ouvir música, teclar no celular e usar o notebook, tudo ao mesmo tempo. Ou seja, são multitarefas. Adoram experimentar novos aplicativos, têm facilidade com blogs e lidar com múltiplos links, pulando de site em site, sem se perder. Interagem mais uns com os outros; "acessam-se" mutuamente para depois se conhecer pessoalmente. Esta é uma pequena descrição dos Nativos Digitais, termo que define os nascidos depois dos anos 80. Opondo-se a eles estão os Imigrantes Digitais, outra terminologia recente que engloba as pessoas que não nasceram na era digital mas que estão aprendendo a lidar com a tecnologia - ou, em alguns casos, até mesmo se recusando a aceitá-la.
Expressão cunhada em 2007 por Marc Prensky, pensador e
desenvolvedor de games, o termo Nativos Digitais está sendo estudado
como um fenômeno que pode causar impactos inclusive no mercado de
trabalho. Hoje, essa geração representa 50% da população ativa (pessoas
de até 25 anos), mas em 2020, com o crescimento demográfico, eles serão
80% da população.
"Se você quer entender a Geração Internet, você precisa entender o
futuro. E meu filho frequentemente me lembra que o futuro é agora". A
frase, de autoria de Don Tapscott, autor de "Grown up Digital" e também
do famoso "Wikinomics" resume bem o novo conflito de gerações. Isso
porque a nova geração, também chamada de Y - termo rechaçado pela
maioria dos pesquisadores - já se apropriou dos meios digitais e, agora,
se comunica e se informa, age e até pensa de forma "diferente".
Luíza Mitke, hoje com 11 anos, é a típica representante da
geração de Nativos. Assim como a maior parte dos seus amigos, ela
passeia com naturalidade por redes sociais online, usa MSN, celular, tem
email e blog - ou seja, domina a internet.
Para Luíza, a rede é apenas mais um meio, não uma assustadora
novidade. Ao mesmo tempo, saca tanto de computador que foi a responsável
pela inclusão digital da mãe e da avó. Dos meios "analógicos" comuns à
geração anterior, só conhece a máquina de escrever, que no entanto nunca
chegou a usar. Carteiro, então, ela só viu passar na rua.
- Realmente não sei como mandar uma carta direitinho - diz ela.
Luíza faz parte, diz o estudioso do assunto e consultor em
Inovação e Tecnologia Volney Faustini, da geração "banhada em bits", que
está promovendo uma mudança radical na forma como o ser humano interage
com o mundo.
De acordo com Faustini, é possível um imigrante digital conviver
em harmonia com a nova geração, mas este nunca vai perder o "sotaque":
- Como imigrantes digitais, falamos com sotaque. O nativo fala a
linguagem digital com naturalidade e pertinência. Ele sabe inclusive ler
na tela do computador. Já o imigrante não tem a mesma desenvoltura, a
mesma fluência. Não à toa, este ainda imprime emails para ler - diz o
estudioso.
O especialista Volney Faustini cita uma analogia para explicar
como um imigrante digital pode lidar bem (ou não) com a nova geração
Web: um estrangeiro que chega no Brasil pode aprender a falar português
fluentemente (com sotaque) e se sentir à vontade, "em casa", ou viver
aqui 40 anos e nunca perder o sotaque carregado e continuar se sentindo
um peixe fora d´água. Se é possível uma boa convivência? Sim, mas as
diferenças vão continuar existindo.
O jornalista Fausto Rêgo, pai de Luíza, é daqueles que se
enturmaram, a ponto de ter mais características de nativo digital que de
imigrante.
- Apesar de ser um "nativo analógico", fiz bem a
transição. Me encantam as possibilidades da tecnologia, a quebra de
hierarquias gastas, a capacidade de fazer mais com menos. E isso tudo
mesmo me assumindo um sujeito linear e sequencial, que faz uma coisa de
cada vez. Minto: até faço, mas me incomoda dar conta de várias tarefas
ao mesmo tempo. Deve ser bug meu.
Para Faustini, não é bug não, é o uso da tecnologia que faz com
que o imigrante se adeque à nova realidade. Ele cita o estudioso Malcolm
Gladwell, para quem são necessárias dez mil horas para que qualquer
pessoa tenha fluência em qualquer coisa - como idiomas em geral e a
linguagem digital em particular:
- O nativo está mais pronto para a tecnologia. Estudos indicam
que nossos filhos têm plasticidade cerebral diferente da nossa. O que
pode explicar que ele seja capaz de fazer muitas coisas ao mesmo tempo,
como assistir TV com fone no ouvido e teclando no PC - diz Faustini.
O pensador e especialista em computação Silvio Meira cita o
"tecnólogo" inglês Douglas Adams para explicar a geração nativa digital.
Disse Adams que "tudo o $existe quando você nasceu é absolutamente
normal para você".
- Tenho email há 28 anos. Não sou imigrante, faço parte da
tecnologia. A questão não é de idade ou de percepção, e sim de entender a
mudança de cenário - diz Silvio.
Lembra ele que a tecnologia é rápida demais, e que é necessário correr atrás.
- A cada 18 meses dobra a capacidade de processamento dos micros;
a cada 12 meses, a de armazenamento; já a velocidade de transmissão de
dados dobra a cada nove meses, enquanto o preço de tudo permanece o
mesmo. Na hora em que se percebe isso, é preciso se perguntar: "onde
estou?". Muita gente espera que a tecnologia esteja aí pelo menos por
dez anos até se adaptar a ela, como foi com a internet. Aí vem uma
geração nova que vai te passar para trás e tomar seu lugar - diz.
É preciso se abrir para as novas tecnologias e as novas formas de pluralidade
Outra que não se encaixa na categoria "imigrante" é Ana Cristina
Fiedler, mãe de Bruno, de 10 anos. Embora admita que o filho é mais
capaz de lidar com muitas coisas ao mesmo tempo, ela cria para si uma
nova categoria: a dos "migrantes pendulares".
- Não diria que sou uma imigrante, mas lidando com a internet a
gente aprende todo dia. Talvez eu seja a tradicional migração pendular,
que a gente viu nos livros escolares sobre as pessoas que moravam em
Niterói e trabalhavam no Rio: vamos e voltamos todos os dias - diz ela.
A internet surgiu na vida de Ana quando ela estava entrando no
mercado de trabalho e alterou completamente a forma como ela exercia
suas funções.
- Isso criou uma janela de oportunidade para quem estava
começando. Lembro que, naquele período, muitas vezes expliquei como as
coisas funcionavam para chefes. Acho que esse aspecto é o mais
interessante da internet: o F5 (tecla de "atualizar" no teclado)
eternamente pressionado. Agora, por exemplo, estou tentando me adaptar a
essas novas formas de comunicação via redes sociais e microblogs - diz.
Redes que seu filho Bruno já domina e bem. Ele usa celular e
internet todo dia, conversa no Orkut e no GTalk com os amigos, usa o
Google para pesquisas mas sente falta de uma aproximação maior dos
professores com a tecnologia, questão levantada por todos os
especialistas.
- Coordenadores de escola, educadores e diretores estão apáticos.
A escola é teórica, mas o vetor digital, que não está sendo levado em
consideração, transformou a sociedade de forma radical. É como afinar o
violino no convés do Titanic - diz Faustini.
Na opinião do educador Muniz Sodré, é errado pensar que a
interatividade e o "digitalismo" são propriedades da máquina. E é assim
que os professores pensam.
- Este é um momento polifônico, de vozes que precisam se juntar.
Os professores ainda estão num modelo criado no Século XIX, o de prisão e
igreja, no qual o professor é um pregador e a interatividade é mínima.
Mas a era polifônica obrigada que o ambiente seja interativo. Eles
precisam se abrir para as novas tecnologias e as novas formas de
pluralidade.
Fonte: O Globo
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